quarta-feira, 2 de outubro de 2019

VERDADE E PIEDADE NOS ANCIÃOS DA ASSEMBLEIA - Capítulo 1


VERDADE E PIEDADE NOS ANCIÃOS DA ASSEMBLEIA
Capítulo 1

A Saudação

Vs. 1-4 – Paulo se apresenta como um “servo [escravo – ARA] de Deus” e um “apóstolo de Jesus Cristo”. Essa é a única epístola na qual ele se apresenta como um servo de Deus; ele geralmente fala de si mesmo como um servo de Cristo. Independentemente de qual seja, nem o Senhor Jesus, nem Deus, o Pai ordenou que alguém fosse Seu servo. É algo que o crente escolhe por sua própria vontade quando percebe que foi “comprado por bom preço” (1 Co 6:20, 7:23). O processo de exercício espiritual que leva o crente a essa entrega vem por meio do refletir no que Cristo sofreu na cruz para nos redimir e tornar cada um de nós um homem “livre” (1 Co 7:22a). Ele levou nossos pecados e o juízo deles em Seu próprio corpo no madeiro (1 Pe 2:24), e por meio de Seus sofrimentos expiatórios (Jo 18:11), fomos libertados do juízo que merecíamos. Quando temos consciência do custo da nossa liberdade, resolvemos não mais usar nossa liberdade para buscar nossos próprios interesses, mas para promover os interesses de Cristo. Voluntariamente nos alistamos no serviço de Cristo como Seu “servo [escravo – ARA] (1 Co 7:22b). Este é puramente um exercício individual e uma decisão que uma pessoa toma por si mesma – ninguém pode fazer isso por ela. Ao afirmar que ele era “um servo de Deus”, Paulo estava indicando que havia passado por esse exercício e estava, com alegria, se colocando nas mãos de Deus para ser usado em Seu serviço da maneira que Ele desejasse.
Como “apóstolo de Jesus Cristo”, Paulo recebeu autoridade do Senhor e foi por Ele enviado a fazer uma obra por Ele (Mt 10:1, 5; 1 Cor 1:17). Um “servo” é alguém sob autoridade e um “apóstolo” é alguém com autoridade. Ele enfatiza seu apostolado aqui porque foi com isso que ele autorizou Tito a estabelecer anciãos em Creta. Se surgisse alguma dúvida entre os santos de lá, Tito poderia apresentar essa carta como prova.
Paulo continua sua saudação inicial afirmando que seu chamado e serviço eram “segundo a fé dos eleitos de Deus e o conhecimento da verdade, que é segundo a piedade”. O que caracterizou seu apostolado foi a verdade distinta relacionada ao Cristianismo. A “fé dos eleitos de Deus” refere-se à fé pessoal no coração dos verdadeiros crentes – os eleitos. Ela os traz a um relacionamento vivo com Deus e a possuir as verdades distintivas que marcam o Cristianismo. Por isso, Paulo acrescenta: “e o conhecimento da verdade”. J. N. Darby disse: “É um relacionamento pessoal com o próprio Deus; portanto, é a fé dos eleitos de Deus. Por isso, também é para todos os gentios, bem como para os judeus. Essa fé dos eleitos de Deus tem um caráter íntimo em relação ao próprio Deus. Ela repousa n’Ele; ela conhece o segredo de Seus conselhos eternos – aquele amor que fez dos eleitos o objeto de Seus conselhos. Mas há outra característica relacionada a ela, a saber, a confissão diante dos homens. Existe a verdade revelada pela qual Deus Se faz conhecido... Existe no coração a fé dos eleitos, a fé pessoal em Deus e no segredo do Seu amor; e há a confissão da verdade”. (Synopsis of the Books of the Bible, edição Loizeaux, vol. 5, págs. 239-240).
O argumento apresentado aqui é que o efeito prático da verdade do Cristianismo no coração de uma pessoa produz piedade[1] em sua vida. Portanto, Paulo diz que o conhecimento da revelação Cristã da verdade é “segundo a piedade”. Isso mostra que verdade e piedade caminham juntas. Ser sadio na doutrina nunca é considerado pelo apóstolo como um fim em si mesmo; a verdade recebida tem em vista um efeito prático de piedade na vida do crente. Essas duas coisas se complementam. Paulo enfatiza repetidamente a sã doutrina nesta epístola, com o objetivo de produzir vida santa nos santos.
(Vs. 2-3) – Paulo acrescenta: “Em esperança da vida eterna[2], a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos: Mas a Seu tempo manifestou a Sua Palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador”. Isso mostra que a recepção da verdade do Cristianismo coloca o crente na esperança de coisas mais excelentes ainda por vir. “Em esperança da vida eterna2 não significa que esperamos ter essa vida e que não saberemos se a temos ou não até estarmos diante do trono de Deus no último dia. Esse é um erro católico romano que rouba o crente da certeza de sua salvação e da paz que Deus deseja que ele tenha. Isso nega as afirmações claras da Escritura que declara nossa segurança eterna (Jo 10:28-29, etc.) Na Bíblia, “esperança” não é usada da mesma maneira em que é usada no português moderno. Usamos a palavra em nossos dias para nos referir a algo que gostaríamos que acontecesse, mas não temos garantia de que acontecerá. Na Bíblia, esperança é uma certeza adiada. É algo que definitivamente vai acontecer – apenas não sabemos quando. Há expectativa com certeza relacionada a ela.
Em Romanos 5:2, Paulo fala da “esperança da glória de Deus”, que se refere à futura glorificação do crente na vinda do Senhor (o Arrebatamento). É algo que o crente aguarda com certeza. Esse fim glorioso de estar com Cristo e ser como Ele em um estado glorificado é a esperança do Cristão. Quando no princípio cremos no evangelho e recebemos o Senhor Jesus Cristo como nosso Salvador, fomos colocados na esperança de nossa final glorificação. Paulo se refere a isso em Romanos 8:24, afirmando que “em esperança fomos salvos”. Ou seja, somos salvos em esperança ou em vista do estado completo e final de glorificação que ainda está por vir (1 Co 15:49; Fp 3:21; 1 Jo 3:2).
Aqui em Tito 1:2, nossa esperança tem em vista a “vida eterna2. Isso vai além da glorificação mencionada em Romanos 5:2, para estar lá no céu naquele estado glorificado desfrutando de comunhão com o Pai e o Filho! Para entender isso corretamente, precisamos entender que, em conexão com os Cristãos, existem dois aspectos dessa vida mais abundante: Primeiro, refere-se à vida divina no crente como uma possessão presente, pela qual ele desfruta de comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3) por meio da habitação do Espírito Santo (Jo 4:14). Esse aspecto é encontrado nos escritos de João (Jo 3:15-16, 36, etc.). Segundo, é vista como a esfera da vida para a qual o crente está se dirigindo em sua jornada ao céu. Portanto, também existe um aspecto futuro. Esta é a maneira pela qual Paulo e Judas falam sobre a vida eterna (Rm 2:7, 5:21, 6:22, 23; Gl 6:8; 1 Tm 1:16, 6:12, 19; Tt 1:2, 3:7; Jd 21). Nesse sentido futuro, a vida eterna é vista como um ambiente de vida espiritual, onde tudo é luz, amor e justiça, e onde a comunhão com o Pai e o Filho é desfrutada em sua plenitude. Portanto, o primeiro aspecto tem a ver com a vida que habita em nós, e o segundo é a vida na qual um dia iremos habitar.
Usamos a palavra “vida” nessas duas maneiras em nossa linguagem no dia a dia. Podemos falar de uma planta, um animal ou um ser humano como tendo vida neles. Mas também falamos da vida como um elemento ou esfera em que uma pessoa pode habitar – por exemplo, “vida no campo”, “vida na cidade”, “vida na assembleia” etc. Assim, podemos desfrutar a vida eterna agora pelo Espírito, mas então habitaremos nessa esfera da vida em seu sentido mais pleno quando formos glorificados. Esses dois aspectos da vida foram ilustrados em um mergulhador do fundo do mar. Ele trabalha debaixo d’água, mas respira ar por meio de um tubo, o que o mantém vivo. É como o crente que possui a possessão presente da vida eterna. Vivendo neste mundo, vivemos, nos movemos e temos nosso ser em um elemento ao qual não somos naturalmente adequados, pois pertencemos à nova criação e somos pessoas celestiais. Assim, não somos do mundo, mas somos sustentados pelo nosso “tubo” da comunhão com o Pai e o Filho enquanto estamos no mundo. Quando o trabalho do mergulhador é concluído, sai da água para o elemento que lhe é natural e, retirando o capacete e o traje de mergulho, respira o ar sem esse aparelho. Da mesma forma, quando nosso trabalho for completado aqui na Terra e formos levados para casa no céu, estaremos na esfera da vida eterna para a qual estaremos perfeitamente adequados.
Portanto, ao afirmar que o que temos em Cristo é “em esperança da vida eterna2, Paulo está indicando que nosso destino não é apenas ser glorificado, mas ser encontrado como tal em plena comunhão com o Pai e o Filho no céu – que é a essência dessa vida. Isso é algo que Deus “prometeu antes dos tempos dos séculos”. Isso mostra que a vida eterna estava nos pensamentos de Deus antes de Ele criar o mundo. Parece que a comunhão das Pessoas divinas na eternidade passada era tão doce e preciosa que Deus queria que outros experimentassem esse gozo também. Então, Ele prometeu que, no “tempo próprio” (AIBB) (tempos Cristãos), quando feita a expiação e o Espírito Santo concedido, os crentes no Senhor Jesus Cristo teriam essa oportunidade (1 Jo 1:3).
A possessão presente desta vida pode ser referida como “vida eterna” e o aspecto futuro como “vida eterna2. Somos gratos à tradução de J. N. Darby[3] que distingue essas coisas – embora ele negligencie observar a vida eterna como tal em 1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20. No entanto, a tradução de Kelly distingue.




[1] N. do T.: A palavra grega “eusebeia” traduzida como “piedade” aparece no Novo Testamento principalmente nos últimos livros escritos (At 3:12 – AIBB; 1 Tm 2:2, 3:16, 4:7, 8, 6:3, 5, 6, 11; 2 Tm 3:5; Tt 1:1; 2 Pe 1:3, 6, 7; 2 Pe 3:11), e, segundo o Concise Bible Dictionary, significa ‘exercer piedade, reverência’; um senso reverencial de ter que dar conta a Deus, que deve ser mostrado pela criatura ao Criador, e que deve caracterizar especialmente os santos para com Deus, seu Pai e ao Senhor Jesus. Ao contrário, “asebeia”, traduzida como “impiedade”, ocorre em Rm 1:17, 18, 11:26; 2 Tm 2:16; Tt 2:12.
[2] (*) Caráter futuro da vida eterna.
[3] N. do T.: As traduções de J. N. Darby e W. Kelly diferenciam os dois significados da expressão traduzida para o português como “vida eterna”, utilizando as expressões “life eternal” e “eternal life”. Como traduzir isso para o português não destacaria a diferença existente, usaremos a expressão “vida eterna” para indicar o aspecto presente da possessão da vida eterna (que Darby e Kelly traduzem como “life eternal”) e “vida eterna2 para indicar o aspecto futuro dessa possessão (que Darby e Kelly traduzem como “eternal life”). O Concise Bible Dictionary diz: “Aquele que tem o Filho de Deus, portanto, tem vida agora (a possessão presente) e sabe disso pelo Espírito Santo, o Espírito da vida. O apóstolo João fala da vida como um estado subjetivo nos crentes, embora inseparável do conhecimento de Deus plenamente revelado como o Pai no Filho, e de fato caracterizado por isso. O Senhor disse a Seu Pai: “a vida eterna é esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” (Jo 17:3). O apóstolo Paulo apresenta a vida eterna mais como uma esperança diante do Cristão (a possessão futura), que, no entanto, tem um efeito moral presente (Tt 1:2, 3:7). Disso obtemos que a vida eterna para o Cristão se dirige à sua plenitude para a glória de Deus, quando o corpo atual como parte da velha criação será transformado, e haverá total conformidade a Cristo, de acordo com o propósito de Deus. Nesse meio tempo, a mente de Deus é que o Cristão, habitado pelo Espírito Santo, saiba (tenha o conhecimento consciente) que ele tem a vida eterna (1 Jo 5:13). Veja no Apêndice, na última página deste livro, como Darby e Kelly identificam o caráter presente e futuro da vida eterna em suas traduções.


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