VERDADE E PIEDADE NOS ANCIÃOS DA ASSEMBLEIA
Capítulo 1
A Saudação
Vs. 1-4 – Paulo se apresenta como um “servo
[escravo – ARA] de Deus”
e um “apóstolo de Jesus Cristo”. Essa é a única epístola na qual ele se
apresenta como um servo de Deus; ele geralmente fala de si mesmo como um servo
de Cristo. Independentemente de qual seja, nem o Senhor Jesus, nem Deus, o Pai
ordenou que alguém fosse Seu servo. É algo que o crente escolhe por sua própria
vontade quando percebe que foi “comprado por bom preço” (1 Co 6:20,
7:23). O processo de exercício espiritual que leva o crente a essa entrega vem por
meio do refletir no que Cristo sofreu na cruz para nos redimir e tornar cada um
de nós um homem “livre” (1 Co 7:22a). Ele levou nossos pecados e o juízo
deles em Seu próprio corpo no madeiro (1 Pe 2:24), e por meio de Seus
sofrimentos expiatórios (Jo 18:11), fomos libertados do juízo que merecíamos. Quando
temos consciência do custo da nossa liberdade, resolvemos não mais usar nossa
liberdade para buscar nossos próprios interesses, mas para promover os
interesses de Cristo. Voluntariamente nos alistamos no serviço de Cristo como
Seu “servo [escravo –
ARA]” (1 Co 7:22b). Este é puramente um exercício individual e
uma decisão que uma pessoa toma por si mesma – ninguém pode fazer isso por ela.
Ao afirmar que ele era “um servo de Deus”, Paulo estava indicando que
havia passado por esse exercício e estava, com alegria, se colocando nas mãos
de Deus para ser usado em Seu serviço da maneira que Ele desejasse.
Como “apóstolo de Jesus Cristo”,
Paulo recebeu autoridade do Senhor e foi por Ele enviado a fazer uma obra por
Ele (Mt 10:1, 5; 1 Cor 1:17). Um “servo” é alguém sob autoridade e um “apóstolo”
é alguém com autoridade. Ele enfatiza seu apostolado aqui porque foi com isso
que ele autorizou Tito a estabelecer anciãos em Creta. Se surgisse alguma
dúvida entre os santos de lá, Tito poderia apresentar essa carta como prova.
Paulo continua sua saudação inicial
afirmando que seu chamado e serviço eram “segundo a fé dos eleitos de Deus e
o conhecimento da verdade, que é segundo a piedade”. O que caracterizou seu apostolado foi a verdade distinta
relacionada ao Cristianismo. A “fé dos eleitos de Deus” refere-se à fé
pessoal no coração dos verdadeiros crentes – os eleitos. Ela os traz a um
relacionamento vivo com Deus e a possuir as verdades distintivas que marcam o Cristianismo.
Por isso, Paulo acrescenta: “e o conhecimento da verdade”. J. N. Darby
disse: “É um relacionamento pessoal com o próprio Deus; portanto, é a fé dos
eleitos de Deus. Por isso, também é para todos os gentios, bem como para os
judeus. Essa fé dos eleitos de Deus tem um caráter íntimo em relação ao próprio
Deus. Ela repousa n’Ele; ela conhece o segredo de Seus conselhos eternos – aquele
amor que fez dos eleitos o objeto de Seus conselhos. Mas há outra
característica relacionada a ela, a saber, a confissão diante dos homens.
Existe a verdade revelada pela qual Deus Se faz conhecido... Existe no coração
a fé dos eleitos, a fé pessoal em Deus e no segredo do Seu amor; e há a confissão
da verdade”. (Synopsis of the
Books of the Bible, edição
Loizeaux, vol. 5, págs. 239-240).
O argumento apresentado aqui é que o
efeito prático da verdade do Cristianismo no coração de uma pessoa produz
piedade[1] em
sua vida. Portanto, Paulo diz que o conhecimento da revelação Cristã da verdade
é “segundo a piedade”. Isso mostra que verdade e piedade caminham
juntas. Ser sadio na doutrina nunca é considerado pelo apóstolo como um fim em
si mesmo; a verdade recebida tem em vista um efeito prático de piedade na vida
do crente. Essas duas coisas se complementam. Paulo enfatiza repetidamente a sã
doutrina nesta epístola, com o objetivo de produzir vida santa nos santos.
(Vs. 2-3) – Paulo acrescenta: “Em
esperança da vida eterna[2],
a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos: Mas a Seu
tempo manifestou a Sua Palavra pela pregação que me foi confiada segundo o
mandamento de Deus, nosso Salvador”.
Isso mostra que a recepção da verdade do Cristianismo coloca o crente na
esperança de coisas mais excelentes ainda por vir. “Em esperança da vida
eterna2” não significa que esperamos ter essa vida e que não
saberemos se a temos ou não até estarmos diante do trono de Deus no último dia.
Esse é um erro católico romano que rouba o crente da certeza de sua salvação e
da paz que Deus deseja que ele tenha. Isso nega as afirmações claras da
Escritura que declara nossa segurança eterna (Jo 10:28-29, etc.) Na Bíblia, “esperança”
não é usada da mesma maneira em que é usada no português moderno. Usamos a
palavra em nossos dias para nos referir a algo que gostaríamos que acontecesse, mas não temos garantia de que
acontecerá. Na Bíblia, esperança é uma certeza adiada. É algo que
definitivamente vai acontecer – apenas não sabemos quando. Há expectativa com certeza
relacionada a ela.
Em Romanos 5:2,
Paulo fala da “esperança da glória de Deus”, que se refere à futura
glorificação do crente na vinda do Senhor (o Arrebatamento). É algo que o
crente aguarda com certeza. Esse fim glorioso de estar com Cristo e ser como
Ele em um estado glorificado é a esperança do Cristão. Quando no princípio cremos
no evangelho e recebemos o Senhor Jesus Cristo como nosso Salvador, fomos
colocados na esperança de nossa final glorificação. Paulo se refere a isso em
Romanos 8:24, afirmando que “em esperança
fomos salvos”. Ou seja, somos salvos em esperança
ou em vista do estado completo e final de glorificação que ainda está por vir
(1 Co 15:49; Fp 3:21; 1 Jo 3:2).
Aqui em Tito 1:2, nossa esperança tem em
vista a “vida eterna2”. Isso vai além da glorificação
mencionada em Romanos 5:2, para estar lá no céu naquele estado glorificado
desfrutando de comunhão com o Pai e o Filho! Para entender isso corretamente,
precisamos entender que, em conexão com os Cristãos, existem dois aspectos
dessa vida mais abundante: Primeiro, refere-se à vida divina no crente
como uma possessão presente, pela qual ele desfruta de comunhão
consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3) por meio da habitação do Espírito
Santo (Jo 4:14). Esse aspecto é encontrado nos escritos de João (Jo 3:15-16, 36,
etc.). Segundo, é vista como a esfera da vida para a qual o crente está se
dirigindo em sua jornada ao céu. Portanto, também existe um aspecto futuro.
Esta é a maneira pela qual Paulo e Judas falam sobre a vida eterna (Rm 2:7,
5:21, 6:22, 23; Gl 6:8; 1 Tm 1:16, 6:12, 19; Tt 1:2, 3:7; Jd 21). Nesse sentido
futuro, a vida eterna é vista como um ambiente de vida espiritual, onde tudo é
luz, amor e justiça, e onde a comunhão com o Pai e o Filho é desfrutada em sua
plenitude. Portanto, o primeiro aspecto tem a ver com a vida que habita em
nós, e o segundo é a vida na qual um dia iremos habitar.
Usamos a palavra “vida” nessas duas
maneiras em nossa linguagem no dia a dia. Podemos falar de uma planta, um
animal ou um ser humano como tendo vida neles. Mas também falamos da vida como
um elemento ou esfera em que uma pessoa pode habitar – por exemplo, “vida no
campo”, “vida na cidade”, “vida na assembleia” etc. Assim, podemos desfrutar a
vida eterna agora pelo Espírito, mas então habitaremos nessa esfera da vida em
seu sentido mais pleno quando formos glorificados. Esses dois aspectos da vida
foram ilustrados em um mergulhador do fundo do mar. Ele trabalha debaixo d’água,
mas respira ar por meio de um tubo, o que o mantém vivo. É como o crente que
possui a possessão presente da vida eterna. Vivendo neste mundo, vivemos, nos
movemos e temos nosso ser em um elemento ao qual não somos naturalmente
adequados, pois pertencemos à nova criação e somos pessoas celestiais. Assim,
não somos do mundo, mas somos sustentados pelo nosso “tubo” da comunhão com o
Pai e o Filho enquanto estamos no mundo. Quando o trabalho do mergulhador é
concluído, sai da água para o elemento que lhe é
natural e, retirando o capacete e o traje de mergulho, respira o ar sem esse
aparelho. Da mesma forma, quando nosso trabalho for completado aqui na Terra e formos
levados para casa no céu, estaremos na esfera da vida eterna para a qual
estaremos perfeitamente adequados.
Portanto, ao
afirmar que o que temos em Cristo é “em esperança da vida eterna2”,
Paulo está indicando que nosso destino não é apenas ser glorificado, mas ser
encontrado como tal em plena comunhão com o Pai e o Filho no céu – que é a
essência dessa vida. Isso é algo que Deus “prometeu antes dos tempos dos
séculos”. Isso mostra que a vida eterna estava nos pensamentos de Deus
antes de Ele criar o mundo. Parece que a comunhão das Pessoas divinas na
eternidade passada era tão doce e preciosa que Deus queria que outros
experimentassem esse gozo também. Então, Ele prometeu que, no “tempo
próprio” (AIBB) (tempos Cristãos),
quando feita a expiação e o Espírito Santo concedido, os crentes no Senhor
Jesus Cristo teriam essa oportunidade (1 Jo 1:3).
A possessão presente desta vida pode ser referida como “vida
eterna” e o aspecto futuro como “vida eterna2”.
Somos gratos à tradução de J. N. Darby[3]
que distingue essas coisas – embora ele negligencie observar a vida eterna como
tal em 1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20. No entanto, a tradução de Kelly distingue.
[1]
N. do T.: A palavra grega “eusebeia”
traduzida como “piedade” aparece no
Novo Testamento principalmente nos últimos livros escritos (At 3:12 – AIBB; 1
Tm 2:2, 3:16, 4:7, 8, 6:3, 5, 6, 11; 2 Tm 3:5; Tt 1:1; 2 Pe 1:3, 6, 7; 2 Pe
3:11), e, segundo o Concise Bible
Dictionary, significa ‘exercer piedade, reverência’; um senso reverencial
de ter que dar conta a Deus, que deve ser mostrado pela criatura ao Criador, e
que deve caracterizar especialmente os santos para com Deus, seu Pai e ao
Senhor Jesus. Ao contrário, “asebeia”,
traduzida como “impiedade”, ocorre
em Rm 1:17, 18, 11:26; 2 Tm 2:16; Tt 2:12.
[2] (*) Caráter futuro da vida eterna.
[3]
N. do T.: As traduções de
J. N. Darby e W. Kelly diferenciam os dois significados da expressão traduzida
para o português como “vida eterna”,
utilizando as expressões “life eternal”
e “eternal life”. Como traduzir isso
para o português não destacaria a diferença existente, usaremos a expressão “vida
eterna” para indicar o aspecto presente da possessão da vida eterna
(que Darby e Kelly traduzem como “life eternal”) e “vida eterna2” para indicar o aspecto futuro dessa
possessão (que Darby e Kelly traduzem como “eternal life”). O Concise Bible Dictionary diz: “Aquele
que tem o Filho de Deus, portanto, tem vida agora
(a possessão presente) e sabe disso
pelo Espírito Santo, o Espírito da vida. O apóstolo João fala da vida como um
estado subjetivo nos crentes, embora inseparável do conhecimento de Deus
plenamente revelado como o Pai no Filho, e de fato caracterizado por isso. O
Senhor disse a Seu Pai: “a vida eterna é
esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a
Quem enviaste” (Jo 17:3). O apóstolo Paulo apresenta a vida eterna mais
como uma esperança diante do Cristão
(a possessão futura), que, no entanto,
tem um efeito moral presente (Tt 1:2, 3:7). Disso obtemos que a vida eterna
para o Cristão se dirige à sua plenitude para a glória de Deus, quando o corpo atual
como parte da velha criação será transformado, e haverá total conformidade a
Cristo, de acordo com o propósito de Deus. Nesse meio tempo, a mente de Deus é
que o Cristão, habitado pelo Espírito Santo, saiba (tenha o conhecimento
consciente) que ele tem a vida eterna (1 Jo 5:13). Veja no Apêndice, na última
página deste livro, como Darby e Kelly identificam o caráter presente e futuro
da vida eterna em suas traduções.
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